Por Carla Kühlewein
Livros literários são verdadeiras obras de arte. Mas nem sempre nos lembramos de que há uma equipe por trás dessa valiosa confecção. O livro é o resultado final de uma série de processos: cotejo inicial, edição, projeto gráfico, revisão, diagramação, cotejo final… E é no intuito de valorizar todos os profissionais nele envolvidos que foi criado, no Brasil, o Prêmio Jabuti. A primeira edição aconteceu em 1959 – de lá pra cá, foram mais de 60! Hoje ele é considerado o mais expressivo reconhecimento no campo da literatura nacional.
Mas, afinal, o que teria o bichinho com casco duro de tão especial para merecer a alcunha de um prêmio tão importante? A resposta não está exatamente na aparência do simpático réptil, mas na sua simbologia. Além de ser um animal típico da América do Sul, tornou-se símbolo nacional principalmente a partir de Monteiro Lobato e seu famoso Sítio do Picapau Amarelo. O escritor transformou o jabuti em uma personagem peculiar: lenta (como não poderia deixar de ser), porém nada boba…
O bichano aparece já no primeiro livro de Lobato (‘Reinações de Narizinho’), numa cena icônica entre Emília e o Marquês de Rabicó:
“— Estou vendo uma coisa esquisita lá na frente! Um monstro com cabeça de porco e ‘peses’ de tartaruga!
Todos olharam, verificando que Emília tinha razão. Era um monstro dos mais estranhos que possa alguém imaginar. Tom Mix puxou da faca e avançou, dizendo a Narizinho que não se mexesse dali. Chegando mais perto percebeu o que era.
— Não é monstro nenhum, princesa! Trata-se do senhor marquês montado num pobre jabuti! Vem metendo o chicote no coitado, sem dó nem piedade. […]
— Desça já do pobre jabuti, seu grandíssimo… Muito espantado daquela recepção, Rabicó foi descendo, todo encolhido.
— E para castigo — continuou a Menina — quem agora vai montar é o senhor jabuti. Vamos, senhor jabuti! Arreie o marquês e monte e meta-lhe a espora sem dó!
O jabuti assim fez, e sossegadamente, porque jabuti não se apressa em caso nenhum, botou os arreios no leitão, apertou o mais que pôde a barrigueira, montou muito devagar e lept! lept! fincou-lhe o chicote como quem surra burro bravo.”
Para uma história publicada em 1931, até que ela é bem moderninha… Seja como for, o jabuti é nosso! E por esse motivo, os próximos textos desta coluna serão dedicados a obras que que receberam esse prêmio. Até lá!
Carla Kühlewein é graduada em Letras Vernáculas e Clássicas (UEL), Mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada (Unesp) e Doutora em Literatura e Vida Social (Unesp).