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Corações engarrafados

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Sobrelinhas – por Carla Kühlewein

Que atire a primeira pedra quem nunca teve o coração despedaçado! Numa sociedade que estimula relações efêmeras, é até curioso que alguém se importe em perder, já que ganhar é a lei maior. Não importa o quanto isso custe, a regra é viver intensamente, de preferência, sem tristeza. E isso lá é possível? Sim, desde que se neutralize o órgão vital da vida a que chamamos “coração”.


O livro infantil ‘O coração e a garrafa’, escrito e ilustrado por Oliver Jeffers, trata dessa questão. É a história de uma menina curiosa e feliz, sempre acompanhada de um adulto, até o dia em que ela o perde. O fato a deixa tão triste que a leva a tomar uma atitude drástica: “Sem saber o que fazer, a menina achou que o melhor era guardar o seu coração num lugar seguro. Só durante algum tempo. Então, enfiou-o numa garrafa, pendurou-a no pescoço… e parecia assim ter resolvido a situação… no início.”


Diante da perda, a reação imediata da personagem foi livrar-se da dor. O curioso é que a atitude imatura de alguém ainda tão inexperiente corresponde (veja só!) à postura de uma sociedade severamente contaminada pelo vírus do imediatismo.


Mas a história de Jeffers não para por aí. Assim que a menina engarrafa seu coração, algo inesperado acontece: “Mas, no fundo, nada voltou a ser como era. Ela esqueceu-se das estrelas… e deixou de olhar para o mar. Já não queria saber tudo sobre o mundo e não ligava pra nada… exceto para o peso… e a estranheza daquela garrafa. Ali, pelo menos, o seu coração estava seguro.”


Não pense que a história acaba em tragédia! A menina consegue reverter a situação. Quer saber como? Confira no livro que ele te conta….


O fato é que engarrafar o coração serve bem ao propósito moderno: é simples, rápido e seguro (igual a slogan de serviços de entrega). É escolher, usar e abusar! A afoita sociedade moderna desenvolveu vários mecanismos para despistar a dor e deixar tudo assim… “feliz”.


Há também quem opte em deixar o coração bater à vontade e assumir as consequências do ato. É uma atitude típica de seres maduros e, apesar de gratuita, requer muito empenho…


No fim das contas, engarrafar ou não o coração é escolha do freguês. Vai uma garrafa aí?

Carla Kühlewein É graduada em Letras Vernáculas e Clássicas (UEL), Mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada (Unesp) e Doutora em Literatura e Vida Social (Unesp).

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