Por Carla Kühlewein
Não há nada mais humano do que amar. Mais humano ainda é idealizar o ser/objeto amado. É exatamente sobre isso que Ana Maria Machado (mais uma ganhadora do prêmio Hans Cristhian Andersen) trata no seu livro ‘Passarinho me contou’, ilustrado pelas mãos habilidosas de Lúcia Brandão.
Esse é um dos vários livros da Ana que prega uma peça na gente: começa como quem não quer nada e termina numa imaginação sem fim: “Passarinho me contou que certa vez havia um reino. E, nesse reino, um rei havia. Havia também muita coisa bonita, coisa que nem se imagina”. Acontece que o passarinho contou que o tal rei tinha tanto orgulho do seu reino que o considerava perfeito. Até que um senhor de idade, que passava por ali, declarou que não o acha assim tão perfeito. O rei levou um susto: “Eu achei muito esquisito. Afinal, estamos acostumados a que todos os viajantes fiquem deslumbrados, digam que aqui é o paraíso, o lugar mais lindo do mundo…”. O velhinho justificou dizendo que encontrava naquele reino um problema. Inconformado, o rei indagou: “Problema? Que problema? Deve haver algum engano. Este reino é um paraíso.” E quando o velhinho ia revelar qual era o problema… morreu.
Por essa nem você esperava, não é mesmo? Como todo rei que se preze, ele tomou uma providência, anunciou em todo reino: “Sua majestade El-rei manda avisar que dará um tesouro a quem resolver o problema que ameaça matar o reino”. Em pouco tempo, formou-se uma fila de candidatos corajosos (exterminadores de gigante, dragão, feiticeiro). Mas nenhum deles conseguiu solucionar o caso. O rei já estava ficando sem opção quando João e Maria apareceram (não os do conto de fadas, os da vida real mesmo) e começaram a descrever tudo o que viram pelo caminho até chegarem àquele reino: “terra seca – gado morrendo – gente com fome – o rio secou – falta d’água – doença – enterro – de tão longe – inundação – acabou a comida – ponte caída…” e por aí foi.
Não é preciso muito esforço pra imaginar como isso acaba, se é que acaba (eu avisei!). Só sei que o passarinho me contou: quem ama o perfeito, definitivamente, não enxerga defeito.
Carla Kühlewein é graduada em Letras Vernáculas e Clássicas (UEL), Mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada (Unesp) e Doutora em Literatura e Vida Social (Unesp).