Universidade Estadual de Londrina promoveu concurso em comemoração aos seus 50 anos; conto de Milton Bertoco ficou em 7º lugar
Militante ativo das redes sociais, nas quais palpita, discute, argumenta e ‘briga’, o aposentado José Milton Bertoco (69) teve seu conto “Comemoração” classificado em sétimo lugar no concurso promovido pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). A instituição promoveu o concurso por ocasião da comemoração dos seus 50 anos de fundação.
O ‘Concurso Literário de Contos da UEL 50 anos’ foi aberto ao público e tinha como temática a própria Universidade. A UEL premiará os trinta primeiros colocados com a inclusão da sua obra em livro que será lançado no início do ano de 2022, em formato físico e virtual. O JR conversou com o aposentado-escritor sobre o conto.
JR – Você é escritor?
JMB – Não. Escrevo eventualmente, quase que a título de brincadeira. Além de tudo, sou muito exigente – nunca acho que o que fiz ficou a contento.
JR – E o que o levou a participar desse concurso?
JMB – O acaso. Meu filho estava fazendo sua matrícula e, num dos acessos ao site, acabei por ver o edital. Como tinha algumas ideias na cabeça, resolvi passá-las para o papel.
JR – Você tem alguma relação com a UEL?
JMB- Especificamente não, mas é impossível a gente não ter ligações – entre tantas, minha esposa se formou lá. Sem contar que estudar lá foi um sonho que a vida não me permitiu realizar.
JR – O conto ‘Comemoração’ é autobiográfico ou pura ficção?
JMB – É ficção, mas, sem dúvidas, traz muito do meu passado. A falta de oportunidade de estudar na UEL certamente me deixou marcas, embora me sinta realizado nos caminhos que trilhei. Aliás, esse meu pendor por causas sociais talvez traga um pouco disso: a esperança que não falte aos outros a oportunidade que não tive.
JR – Orgulhoso com a premiação?
JMB – Muito, mas sei a dimensão relativa do feito – não é um Nobel de Literatura (rssss). Na verdade, minha alegria maior é ter meu texto incluído no livro que comemora os 50 anos da UEL exatamente no ano em que meu filho começa a frequentá-la.
JR – Parabéns!
JMB – Obrigado. Parabéns ao JR pelo interesse que dedica à cultura e às artes, bem como pelo interesse pela universidade pública. Nesses tempos de negacionismo, essa postura é essencial.
COMEMORAÇÃO
- Oi! Quem?
- José, pois não?
- É “El Loco”?
- Quem tá falando?
- Não me reconhece mais? Doutor Jorge, seu melhor amigo do ginásio!
- Opa! Quanto tempo, cara! Depois do ginásio jamais nos vimos, pode? Você até andou me procurando por aqui, mas nunca deu certo – um dia eu estava em férias, outro trabalhando fora e assim foi… Tudo bem?
- Graças a Deus, e você?
- Levando – vidinha de aposentado, né? Poxa, depois de tantos anos você ainda me vem com aquele apelido, rsssss.
- Não gostou?
- De boa. Odiava, mas é coisa superada, claro. Como me achou?
- No Facebook. O Tonhão me passou seu zap.
- Beleza. E o que me conta?
- Então, mês que vem estarei comemorando 40 anos da formatura em Medicina.
- Nossa, você é da primeira turma da UEL?
- Não, sou da terceira. Mas, tivesse achado você antes, mandaria um convite, que a festa será em Londrina. Pena que não tenho mais.
- Fica frio. Talvez não fosse mesmo, a minha situação não tá pra gastar dinheiro, entende?
- Que isso? O genial “El Loco” não conseguiu ganhar dinheiro? Não quis ser médico também?
- Então, coisas da vida. Meu pai meio adoentado, tive que trabalhar pra ajudar em casa. Era meu sonho, meu caro, era o meu sonho…
O ônibus deu uma parada brusca. El Loco olhou pela janela e viu seus colegas da sua turma recém-formada entrando pelo imponente portão do Colégio Marista, onde cursavam o “científico”. Pastas com logotipo da escola, calças jeans “007” – a marca da moda – altos papos, altas gargalhadas. El Loco olhou para o outro lado da rua.
El Loco desceu cinco quadras adiante, na gráfica onde trabalhava. Posicionou-se frente à, já naquele tempo, velha, impressora “Minerva” e toca imprimir panfletos. Vantagem do seu trabalho: a mente podia viajar, desde que não esquecesse o dedo para ser esmagado pela máquina. Desvantagem: pouco tempo e pouco dinheiro para o almoço – restrito a uma coxinha e um copo de leite num boteco da redondeza. Conformado, pensava na alegria dos amigos e se entristecia ao pensar no seu inútil curso profissionalizante noturno. - Zé? Alô? Taí?
- Opa, estou aqui. A ligação deu uma cortada. Mas, então, você dizia de você. E seus pais, estão vivos?
- Não, não, infelizmente se foram. É a vida. E os seus?
- Também já partiram. Meu pai bem antes, a mãe depois.
- Seu pai… me lembro tanto dele, sempre com a vassoura na mão, cuidando da pracinha, né?
- Isso mesmo. Morreu trabalhando, mesmo com a saúde precária. Nunca pode se aposentar, mas acho que gostava daquele trabalho. Não reclamava. E você, mora onde?
- Tenho uma casa perto da minha clínica, mas tenho ido cada vez menos. Passo a maior parte do tempo aqui na fazenda. Eu e a Sara, lembra-se dela? Estudou conosco!
- Ah, sim, claro que me lembro. Muito bonita – com todo respeito.
El Loco, digo, José, se lembrava muito bem dela. Sara não era exatamente um modelo de beleza, mas elegante, cheia de pose, sempre bem vestida, era um sonho inatingível para gente como ele – além de tudo, aqueles dentes cariados faziam com que tivesse vergonha até de falar com ela. Bem, tão inatingível ela – aliás, todas da turma – que ele jamais dera trela ao próprio pensamento, sem coragem nem para sonhar. Afora uma vez, no baile de formatura – do qual não participou -, quando ficou no jardim, escondidinho, para ouvir a música da velha Orquestra Tabajara e viu Sara entrando deslumbrante. Quase sonhou.
- Tá dormindo, Zé?
- Opa, Jorge, foi mal. Meu filho me tirou a atenção.
- Filho? Quantos tem?
- Um só. E você?
- Três.
- Que beleza!
- Em termos…
- ?
- A gente faz de tudo pra eles, quer o melhor, mas parece que não reconhecem. Muito trabalho: drogas, nada de estudar, essas coisas. Mas a gente ama e faz o que pode. E o seu?
- Graças a Deus – não que não tenha defeitos – mas gosta muito de estudar. Está pra se formar.
- Que bom. O que ele cursa?
- Medicina. Na UEL.