O comportamento de se cortar, ou, como chamamos, de automutilação, tem se tornado muito frequente em adolescentes, e está geralmente relacionado à dificuldade em suportar certos estados afetivos, principalmente depressão e raiva. A maneira mais comum de se automutilar é através de cortes, porém qualquer ação que provoque dor pode ser encontrada, como comportamentos de se queimar, se morder, se beliscar, bater nas paredes ou em objetos, manipulação de feridas, ou até ingestão de substâncias tóxicas.
Os adolescentes que se automutilam são com frequência impulsivos. Normalmente relatam sentir pouca ou nenhuma dor. Uma vez iniciado, o comportamento de automutilação tende a adquirir características de dependência, tornando-se difícil de ser interrompido. Enquanto alguns estudos demonstram ser um comportamento mais comum no sexo feminino, outros não identificam diferença consistente entre os sexos. Embora não haja intenção de suicídio na maior parte das vezes em que estes pacientes se lesionam, há nessa população um maior número de casos de tentativas de suicídio, portanto é necessária atenção a isso.
Existem muitos transtornos psiquiátricos que estão associados à automutilação, como depressão, transtorno bipolar, transtornos alimentares, transtorno de ansiedade, transtornos de personalidade, e abuso de substâncias. Há também uma forte relação entre a automutilação e histórico de maus-tratos e/ou abusos na infância. A automutilação é, na verdade, um sintoma psiquiátrico inespecífico, que pode estar presente em diversos transtornos, ou pode aparecer em casos onde não há um diagnóstico psiquiátrico estabelecido.
O maior propósito destes comportamentos parece ser a regulação e a administração de sentimentos e pensamentos negativos que geram muito sofrimento, fazendo com que estes diminuam. O adolescente pode queixar-se de sentimento de vazio, de anestesia, de desconexão com outros, e a automutilação faz com que eles consigam sentir algo, sentem-se vivos, ou mesmo reais.
O envolvimento da família é muito importante. Os pais precisam estar sempre atentos e disponíveis para o diálogo. Brigar e julgar só pioram o problema. Uma comunicação prejudicada entre adolescente e família está relacionada a aumento do risco de suicídio.
Buscar ajuda profissional é sempre necessário, para se avaliar o risco e a presença de transtornos psiquiátricos, e assim estabelecer um tratamento.
Isabella Gouveia é médica psiquiatra e atende na Otocentro (Willie Davids 390, sala 25)