“Que aqueles ‘indivíduos humanitários’ que são a favor da escravidão se coloquem no lugar do escravo no porão barulhento de um navio negreiro, apenas por uma viagem da África à América, sem sequer experimentar mais que isso dos horrores da escravidão: se não saírem abolicionistas convictos, então não tenho mais nada a dizer a favor da abolição.”
Essas palavras são de Mahommah Gardo Baquaqua, ex-escravizado que nasceu na África Ocidental, no atual Benin, veio em um navio negreiro até o Brasil e, em Pernambuco, serviu de escravo a um padeiro. O ano era 1845. Dois anos depois, ele escapou. Um entre milhões de negros trazidos para as Américas, sua vida está documentada no livro Biografia de Mahommad Gardo Baquaqua (Ed. Uirapuru), publicado em 1854 nos Estados Unidos, em inglês – e que só em 13 de maio de 2017 ganhou versão em português.
Um dos poucos relatos da época contado nas palavras de um negro que foi escravo no Brasil, a biografia descreve em detalhes os usos e costumes, as estruturas familiares e os hediondos castigos infligidos aos escravizados no país – compondo o que o tradutor e organizador do livro, Lucciani Furtado, chama de “uma cosmologia do desespero”.
“Fomos arremessados, nus, porão adentro, os homens apinhados de um lado, e as mulheres de outro. O porão era tão baixo que não podíamos ficar de pé, éramos obrigados a nos agachar ou nos sentar no chão. Noite e dia eram iguais para nós, o sono nos sendo negado devido ao confinamento de nossos corpos.” Comida e bebida eram escassos na viagem, havendo dias em que os escravos não ingeriam absolutamente nada.
Biografia de Mahommah Gardo Baquaqua
Editora Uirapuru – R$41,50