Protagonistas em muitos setores da sociedade, as mulheres também estão se destacando mais no campo teológico. Vale dizer que, da antiguidade até o presente, normas religiosas, criadas pelo homem, tentam moldar comportamentos que limitem a vida pública e privada das mulheres. Mas, mesmo a passos pequenos, elas também estão criando espaço e voz em comunidades espalhadas por todo o Brasil.
Em agosto passado, o município de Rolândia recebeu a primeira mulher a liderar a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB). Ramona Elisabeth Weisheimer (50) é a primeira mulher a estar à frente da igreja rolandense em seus 80 anos de existência. Depois de nove anos liderando a Paróquia Evangélica de Confissão Luterana de Chiapetta, no Rio Grande do Sul, a pastora Ramona Weisheimer veio para Rolândia.
“Estudei na Escola Superior de Teologia (EST), da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Fui ordenada no dia 01 de setembro de 1996, em Três de Maio, portanto, completam-se 25 anos de ordenação agora em 2021. Também sou bacharel e licenciada em História pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo)”, revelou a pastora.
Vocação
A pastora Ramona vem de uma família ecumênica: pai católico e mãe luterana. Desde pequena, participava das diversas atividades da comunidade luterana e contou que as irmãs do Colégio Católico em que estudou a incentivaram muito a seguir pelo caminho do pastorado. “Elas me chamavam ‘a menina com vocação’. Sonhavam que eu estudasse teologia na minha igreja”, lembrou.
A vontade de seguir o caminho teológico realmente surgiu forte quando seu primo, que estudava teologia, foi falar com ela sobre o curso e esboçou muita alegria nos estudos. “Foi quando me animei a estudar também. Fiz o 2° grau, hoje Ensino Médio, na Escola Evangélica Ivoti e logo após ingressei na Faculdade de Teologia”, contou.
A evangelizadora lembrou do esforço que enfrentou para estudar, pois a cidade natal dela fica a mais de 500 quilômetros de São Leopoldo, onde está a Faculdade, já a cidade de Ivoti fica próxima de São Leopoldo. “Isso quer dizer que, com 15 anos, fazia esta viagem sozinha duas vezes ao ano, pois só retornava para casa nas férias de julho e em dezembro. Mas valeu a pena o esforço. Tive sempre muito apoio de minha família, principalmente dos avós maternos”, contou.
Pastoras incomodam?
Partindo pelo olhar da teologia patriarcal, que determina o espaço que as mulheres devem ocupar, incomodam aquelas que procuram romper com as “normas e regras” impostas. A pastora afirmou que já passou por momentos difíceis e foi vítima de preconceito e machismo por parte de pessoas que não aceitavam o papel de liderança que ela decidiu cumprir.
“Infelizmente já sofri, sim. Há 25 anos, quando fui ordenada, eram poucas as pastoras. E algumas comunidades mais tradicionais olhavam com certa desconfiança o ministério feminino. Também no meio ecumênico a participação feminina nem sempre era bem aceita. Mas, fomos em frente, sem desanimar, certas que é o Senhor que nos envia.
Lembro-me com saudade de uma pessoa querida que, ao ver-me iniciar o ministério na Paróquia de Cuiabá, em que as distâncias são enormes (hoje as estradas estão boas, na época havia estradas de chão, e às vezes havia fogo nas laterais das estradas), logo disse ‘esta não vai aguentar’. Por fim, eu fiquei três anos e meio lá, e esta senhora se tornou uma grande amiga”, relembrou.
Além de Rolândia, ela foi a primeira a assumir o ministério na Paróquia Norte do Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro e na Paróquia de Cuiabá, em Mato Grosso. “São espaços tradicionalmente masculinos. Quem sabe o grande desafio seja justamente trazer um novo olhar. O olhar amoroso e materno de Deus, conforme as palavras do profeta Isaías 66.13, ‘como a mãe consola o filho, eu também consolarei vocês’. Jesus teve seguidoras, Marta e sua irmã Maria, talvez as mais lembradas, sendo Marta a primeira a confessar que Jesus era o Messias, o Filho de Deus (João 11.27), ainda antes de ver a ressurreição de seu irmão Lázaro”, ressaltou.
Ela também citou um trecho da bíblia e relacionou o episódio com o aumento da presença nas lideranças das igrejas. “Maria, mãe de Jesus, esteve no início do ministério, nas bodas de Canaã (João 2.1-12), e permaneceu ao seu lado também na dor da cruz, quando seus discípulos tiveram medo. Foram as mulheres as primeiras testemunhas da ressurreição! A primeira comunidade cristã entre os gentios foi fundada por Paulo em Filipos, na casa de uma mulher, Lídia (Atos dos Apóstolos 16.11-15). E se as mulheres sempre estiveram presentes, e foram aceitas por Cristo, por que não poderiam colocar os seus dons a serviço também no trabalho da igreja?”, contestou.
Desafios fora do pastorado
Além de pastora, Ramona é mãe de dois jovens, e vive intensamente todas as dificuldades enfrentadas pelas famílias, especialmente agora em tempos de pandemia. “Fazem parte das atribuições do trabalho pastoral a pregação da Palavra, e administração correta dos Sacramentos. As comunidades possuem diversos departamentos de trabalho a serem auxiliados e coordenados. É um trabalho em equipe, muito gratificante, e que exige muita dedicação. A Comunidade Luterana de Rolândia faz parte da história deste município, e assim é um desafio somar esforços para continuar o bonito trabalho feito com tanto carinho e dedicação”, afirmou.
Dignidade para todas
Ramona finaliza transmitindo uma mensagem especial para todas as mulheres. “Nunca desistam! Deus criou a todos e todas nós para vivermos com dignidade e justiça, com esperança e paz. Não são só palavras bonitas para se falar no mês da mulher. São palavras para nos lembrar que fomos feitas com a mesma dignidade e o mesmo amor. Para viver seus sonhos, suas esperanças; para desenvolver seus potenciais, para descobrir coisas novas; para cuidar e ser cuidadas. Não é vontade de Deus que uma parte de sua criação seja desprezada, maltratada, calada, morta. Deus nos fez para andarmos lado a lado, homem e mulher, em dignidade e amor”, ressaltou a pastora Ramona.