O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma síndrome que atinge o neurodesenvolvimento e é caracterizada por deficiências na interação e na comunicação social. Com repertório restrito e repetitivo de comportamentos e interesses, o portador do TEA apresenta dificuldades em atividades lúdicas e imaginativas. A existência de uma rotina é crucial na vida de um autista, e as famílias de crianças e adolescentes com TEA encaram enormes desafios para amenizar o impacto do quadro e promover o desenvolvimento de seus filhos.
Com a chegada da pandemia da Covid-19 e a adoção do isolamento social como forma de conter a contaminação, essas famílias precisaram reestruturar suas rotinas e adotar medidas de ajuste. Dessa forma, esse contexto pode afetar os autistas por estes serem extremamente sensíveis com mudanças e alterações do seu cotidiano.
Andressa Buriolla (43) e Luís Fernando Rodrigues (43) são pais do Bernardo Buriolla Rodrigues (9). A família rolandense contou um pouco de como tem sido esse período para eles e de que forma estão enfrentando as dificuldades com o filho. “No início da pandemia, nós conversamos com ele sobre como esse vírus é perigoso e precisaríamos ficar distante das pessoas, ele acompanhava as notícias pela TV e foi entendendo um pouco a gravidade”, revelou Andressa.
Com o fechamento das escolas e também com a paralisação das terapias quando o isolamento estava muito intenso, os pais afirmam que tudo ficou muito difícil por conta da questão da rotina. “Quebrar essa rotina para a maioria das pessoas com TEA é muito complicado, pois ocasionou um enorme estresse, um nervosismo e uma ansiedade no Bernardo. Tivemos que mexer nas medicações e mudar estratégias e fazer novas adaptações para esse novo ciclo, basicamente uma montanha russa”, explicaram os pais.
Nada distante dessa realidade complicada, os pais do Heitor Afonso (05) também comentaram as mudanças que precisaram fazer na rotina depois da chegada da pandemia. Nayara Afonso (28) e Junio de Souza (31) explicaram que com o filho a situação de esclarecer o que está acontecendo já é mais complicada. “O Heitor ainda é não verbal, ou seja, não consegue expressar em palavras o que está sentindo e qual é o seu entendimento real das situações que estão acontecendo ao seu redor. Com isso, é muito difícil saber exatamente qual é a compreensão dele do cenário atual. Também houve aumento na medicação para tentar amenizar um pouco mais a situação”, afirma Nayara.
A máscara
A máscara que usamos para nos proteger da Covid-19 pode ser sentida como algo muito agressivo pelas crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). É importante pontuar que os autistas não têm obrigação de usarem máscaras de proteção contra a Covid-19 em qualquer ambiente público.
O direito é previsto em a Lei Nacional (nº 14.019/20), de setembro de 2020, que tornou obrigatório o uso de máscaras para proteção individual. No caso de pessoas autistas, estas podem circular em determinados ambientes sem o uso do equipamento, desde que apresentem comprovações clínicas do diagnóstico.
Mas, mesmo com essa Lei, os pais do Heitor tiveram dificuldades em matricular o filho em uma escola neste ano, exclusivamente pelo fator da máscara. Ele ainda não consegue usá-la da mesma forma que muitas outras crianças da mesma idade e, mesmo com muito incentivo dos pais, ainda sim para ele continua sendo um desafio.
Por isso, antes de conseguiram matricular o filho em uma instituição privada da cidade, tiveram três matrículas negadas por outras escolas particulares de Rolândia. “As duas primeiras instituições com quem entrei em contato simplesmente falaram que uso da máscara para a idade dele é obrigatório e pronto. Apenas umas das diretoras teve o cuidado de nos chamar para conversar e explicar que naquele momento não seria possível ofertar a vaga, por falta de estrutura que o Heitor necessita, mas se colocou à disposição também para nos ajudar”, lembrou Nayara.
Heitor é aluno da APAE de Rolândia, e como neste momento a instituição não pode atender presencialmente aos alunos, a opção pensada pelos pais foi de matriculá-lo em uma escola particular do município, como uma estratégia de amenizar a situação difícil que é mantê-lo em casa praticamente o dia todo. “Ele faz terapias em um período da manhã, mas depois precisamos ficar com ele integralmente em casa, e isso foi ficando cada vez mais difícil” explicou a mãe.
Aulas em casa – Andressa, mãe de Bernardo, pontuou o quanto foi difícil no começo fazer com que o filho estudasse em casa por meio das aulas remotas, fornecidas pela Escola Municipal Maria Teixeira Georg, instituição em ele frequenta o 4° ano do Ensino Fundamental. “Foi bem difícil no começo, mas com o tempo ele foi se adaptando, mas ele ainda reclama como qualquer outra criança, e ainda temos dias bem difíceis”, informou a mãe.
Bernardo também teve uma certa dificuldade de utilizar a máscara no começo, mas conforme foi vendo as outras pessoas usarem, e os próprios pais usando, começou a usá-la da mesma maneira. “Usamos muito o espelhamento com ele, mostramos que outras crianças estão usando, então ele acaba usando porque todos nós estamos fazendo a mesma coisa”, ressalta Andressa.
Bernardo teve um aumento no quadro de terapias pois os pais perceberam a necessidade do filho nesse período, e também incluiu o acompanhamento com uma psicopedagoga. “Essa profissional em especifico é importante para nos dar suporto nessa questão das aulas remotas. Nós somos pais e não professores, então fica difícil passarmos para ele certos entendimentos. E ele tem evoluído bastante”, comentam os pais.
As aulas na escola de Bernardo ainda não retornaram e Andressa afirma que achou melhor não enviar o filho para as avaliações nesse período, porque ainda muitos professores da escola não foram vacinados e a higienização nas mãos do Bernardo seria algo complicado dele fazer por intuição, pois ele basicamente só faz quando é solicitado a fazer.
“O distanciamento seria algo difícil para ele nesse momento também, por isso é bem complicado. E eu não sei se ele usaria a máscara em todo o período, e além disso, não sabemos se teríamos a professora de apoio que ele precisa de uma maneira rápida. Sem essa profissional ficaria difícil, ele é bastante autônomo, mas ele precisa de comando e precisa de uma profissional do lado, por isso, optei em ele ficar em casa por enquanto”, justifica Andressa.
AMARE
Em Rolândia, as famílias que possuem pessoas com deficiência em suas casas também contam com uma associação de apoio. A Associação de Mães Especiais de Rolândia (Amare) também está lutando por direitos para todas essas pessoas, em relação a muitos aspectos que são bem importantes. Abaixo confira na integra um pronunciamento da associação sobre esse momento de pandemia.
Em março de 2020 em decorrência da pandemia, sofremos a interrupção das aulas presenciais. Junto com interrupção das aulas também houve paralização dos atendimentos psicológicos e terapêuticos. Causando prejuízos significativos, tendo em vista que este público tem muita necessidade destes atendimentos, tanto escolar quanto terapêuticos.
No início acreditávamos que logo tudo voltaria ao normal, porém já se passou mais de um ano e os prejuízos são imensos. Regressão na parte pedagógica, terapêutica e uma regressão significativa no convívio social. Sabemos que a dificuldade é em todo o mundo, o pai tem se redobrado para amenizar este impacto, e quando tudo passar a retomada seja menos dolorosa.
Porque sabemos que ao retornar as atividades, faremos um trabalho árduo de adaptações, pois leva um tempo para que possa se sentir confortável novamente ao ambiente social. Temos conhecimento das dificuldades de muitos pais, onde seus filhos passam por momentos de crises de ansiedade, depressão e muita regressão no quadro clínico.
A AMARE tem se redobrado para dar suporte a estas famílias. Mantemos ativo nossos grupos de WhatsApp, onde compartilhamos nossas dificuldades e conquistas diárias. Desta forma seguimos em frente, em meio às dificuldades que a pandemia proporciona. Sempre que os pais nos informam sobre as dificuldades, sempre vamos em busca de soluções.
Uma recente foi a resposta negativa sobre a vacina em autistas, vale ressaltar que autismo é uma deficiência permanente. Jamais vamos encontrar ex-autista. E com a União dos pais conseguimos a liberação. A direção da AMARE mesmo que nos bastidores ou por trás das tecnologias de comunicação não deixou por um dia a busca por seus objetivos.
Nós acreditamos que um dia tudo vai se ajeitar, e vamos conquistar nosso tão sonhado espaço. A AMARE se coloca à disposição a toda nossa comunidade Rolandense.
Atenciosamente
Cinthia Forzan e Lourdes Albara