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‘Capacitar para libertar’: cadeia forma primeiras mulheres

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Dezoito detentas receberam certificado de formação em gastronomia por meio da parceria entre o Deppen e o Ministério Público do Trabalho

Última aula do projeto na cozinha da cadeia; almoço foi feito pelas detentas

Dezoito mulheres privadas de liberdade da Cadeia Pública Feminina de Londrina viveram um momento único na última segunda-feira, 4 de dezembro: saíram da unidade para um auditório onde receberam diplomas de formação em gastronomia. Elas são as primeiras detentas participantes do projeto “Capacitar para Libertar”, desenvolvido pelo Departamento de Polícia Penal (Deppen) e o Ministério Público do Trabalho.


A ideia de implementar na unidade o projeto, que já acontece na Penitenciária Estadual de Londrina II (PEL II), surgiu em 2021. A finalidade é capacitar para ressocializar de fato, trazendo perspectivas de recomeço para diminuir a reincidência por falta de oportunidades de emprego.


Cilene (nome fictício), uma das detentas participantes, sabe bem a dificuldade de reinserção no mercado de trabalho após a passagem pelo sistema prisional e, agora, acredita que pode ser diferente.


“Antes de começar esse curso eu pensava em como seria, pensava que ia voltar pro crime, porque quando você passa por uma cadeia, como eu já passei, você não é valorizada. Eles te julgam pelo que você já passou. Então pra arrumar um serviço, ainda sem qualificação de nada, é totalmente impossível – pelo menos pra mim, foi. Com esse curso agora eu creio que vou mudar de vida, vou arrumar um serviço.

Falaram que essa área é muito procurada, então estou acreditando que dessa vez vai mudar”, declara ela à Rede Lume.


Cilene foi a oradora da turma na formatura, que contou com a presença do diretor geral do Deppen, Reginaldo Peixoto; do coordenador regional, Élcio Martins Basdão; do chefe regional das cadeias públicas, Nilton César Santos Garcia; do Procurador do Ministério do Trabalho, Heiler Ivens de Souza Natali; do desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), Ruy Muggiati, entre outras autoridades.


A possibilidade de implementação do “Capacitar para Libertar” na cadeia feminina surgiu por meio de conversas entre a diretora da unidade, Soraya Ursi, e o procurador Heiler, idealizador do projeto para a PEL II. As reuniões iniciais ocorreram em 2021, quando surgiram as parcerias com Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).


“Não foi barato estruturar a unidade e proporcionar tudo que foi feito em termos de cursos e qualificação profissional. É importante dizer que as senhoras receberam uma qualificação incomum. Dificilmente vão encontrar colegas com a mesma qualificação fora. O Sistema S inteiro apoiando as senhoras. É a melhor qualificação possível. Não é a mais acessível, é a melhor possível”, reiterou o procurador durante a formatura.


Foram cerca de 500 horas/aula aplicadas ao longo de mais de três meses, um currículo forte para enfrentar um mercado de trabalho carente de mão-de-obra. “Acredito que é uma pós-graduação do que preconiza a Lei de Execução Penal”, definiu o coordenador regional do Deppen, Élcio Basdão, na formatura. “Além de capacitar, que elas tenham condição de executar quando saírem”.

O último dia de aula
A Rede Lume acompanhou o último dia de aula do curso de panificação, que fechou o ‘Capacitar para Libertar’, no dia 22 de novembro. A conquista foi celebrada com um almoço feito inteiramente pelas detentas, em uma cozinha com ritmo de restaurante, supervisionado pelo professor do Senai Rodrigo Bernardes. “É um curso de qualificação. A intenção é levar as meninas ao mercado de trabalho. Então, a área que trabalhamos é de produção. Elas podem trabalhar na indústria da área da panificação e confeitaria, mas também dentro de panificadoras, lanchonetes, restaurantes, bares”, explica Rodrigo. As aulas aconteceram semanalmente, de segunda a quinta-feira.


“O processo aqui foi artesanal, elas fizeram tudo na mão. E os produtos saíram igual do mercado de trabalho, lindos, dava para vender mesmo”, comenta Rodrigo. “Vou sair daqui hoje, último dia, com a consciência limpa, coração entregando que eu fiz o meu 100% como docente. Eu acho que daqui vão sair frutos”.

Almoço produzido pelas detentas
O “Capacitar para Libertar” incluiu aulas de capacitação para diversos tipos de cozinha, brasileira e internacional, além de noções de gestão, administração e marketing.


Luíza (nome fictício) diz que não teria a oportunidade de acessar os cursos ofertados e espera que eles sejam a chave para uma nova vida. “Quero praticar tudo que eu aprendi aqui, quero colocar em prática cada diploma, até curso de bom comportamento, como lidar com as pessoas… Se fosse antes eu não ia conseguir nem falar, porque eu tinha vergonha, gaguejava. Hoje já estou conseguindo me expressar”, conta.


“Eu errei lá fora. Mas Deus faz tudo certo por linhas tortas. Me trouxe pra cá e eu aprendi muita coisa. Quero abrir um negócio, mexer com a parte de salgados, de brigadeiro, nunca mais mexer com nada de errado. Quero começar do zero e me reerguer”.


Mãe de dois filhos, de 1 e 3 anos, ela espera ser exemplo para eles. “Os filhos são o espelho do pai e da mãe, né. E eu não quero eles num lugar desses. Não quero que aconteça com eles o que aconteceu comigo. Então há tempo de mudar. E esse curso mudou muito a minha vida, a minha história”.

Fortalecimento psicológico – Além da capacitação profissional, as detentas apontam os benefícios psicológicos da participação no projeto, que incluiu aulas quase diárias.


“Acabei me envolvendo com um rapaz e acabei caindo no erro junto com ele. Mas com tudo que tenho aprendido aqui eu prefiro mudar de vida. Tudo que eu mais quero é dar um futuro melhor pra minha mãe, pros meus sobrinhos, pra minha irmã, que está sempre do meu lado. E tudo isso está me ajudando psicologicamente nesse lugar, que não é bom”, comenta Marina (nome fictício).


“É uma oportunidade que eu não teria lá fora, porque são 13 cursos, e são caros. Eu não teria condições de pagar e eu ganhei. Então me sinto uma pessoa escolhida por Deus”.


Cilene acrescenta. “É importante porque, além do conhecimento, sair do barraco, não ficar só pensando besteira… Porque cabeça vazia é oficina do diabo. Você fica lá, ocioso, sem fazer nada, só caçando confusão… Então sair do barraco e fazer algo produtivo é maravilhoso”. Ela conta que terminou o Fundamental e o Médio dentro da cadeia. Agora, fez a prova do Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos) que avalia as competências de quem não concluiu os estudos na idade adequada.


“Pelas outras unidades que passei encontrei mais oportunidades, mais acolhimento, aqui nessa unidade. Porque nas outras era só tranca, era só fechado. Porque eu não sou uma pessoa muito fácil também, mas ficar só trancado, sem oportunidade de fazer nada, te torna mais agressiva e eu era essa pessoa. Quando eu vim pra cá a dona Soraya já me deu oportunidade ‘de cara’”, conta, referindo-se à diretora Soraya Ursi.

Currículo de peso
Durante a formatura, Soraya Ursi relembrou os passos para implementação do Capacitar para Libertar, desde a escolha do curso até das detentas que participariam.


“Lá atrás, quando o dr. Heiler veio com a ideia de levar o Capacitar para a feminina, eu fiquei com medo de dar um passo maior que a perna. Ele disse ‘Soraya, não me venha com nenhum curso mixuruca ou certificado sem peso’. Aí chegamos ao Senac, ao Senai. Pensamos em vários cursos e nos deparamos com uma situação bem triste: a primeira seria a área da saúde, mas não teríamos nem cinco mulheres, porque a maioria não tinha o segundo grau completo. O CEEBJA vinha com um trabalho muito forte, mas ainda tinha muita deficiência”, relembra.


Hoje a diretora acredita que a unidade possa receber qualquer curso, levando em conta a escolarização das detentas.


“Vocês não estão saindo só com certificado, mas com um currículo de peso”, disse às formandas. “A partir daqui, seguem para o mercado de trabalho, com acompanhamento por 12 meses. O objetivo é que não tenha nenhuma reincidência nesse grupo”.


Ao final da formatura, os currículos de todas as mulheres foram entregues a um representante da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes). “Essa é a minha chance de mudar”, acredita Cilene. Que as portas da cadeia se fechem e as do mercado se abram.


A segunda turma do Capacitar para Libertar na Cadeia Pública Feminina começa as aulas no mês de fevereiro.

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