Cheia de vontade

Sobrelinhas – Por Carla Kühlewein

Quem nunca sentiu vontade que atire a primeira pedra! Afinal, não é ela que nos move a tomar essa ou aquela decisão? Pois é de uma história assim, cheia de vontade, que trata o livro ‘A bolsa amarela’, escrito por Lygia Bojunga Nunes (a primeira brasileira a ganhar o Hans Cristhian Andersen, o prêmio mais importante do mundo para Literatura Infantil e Juvenil).


O livro traz a história de Raquel, uma menina que tem três vontades: “Nem sei qual das três me enrola mais. Às vezes acho que é a vontade de crescer e deixar de ser criança. Outra hora acho que é a vontade de ter nascido garoto em vez de menina. Mas hoje tô achando que é vontade de escrever.”


Agora, cá entre nós, não costumamos revelar tudo o que desejamos, certo? Pois bem, nem Raquel! A menina tenta lidar com suas três vontades até que decide ficar com um dos pertences que a Tia Brunilda havia descartado: uma bolsa amarela. Pronto! Era esse o lugar perfeito para escondê-las: “Minhas vontades tavam presas na bolsa amarela, ninguém mais ia ver a cara delas.”


Na bolsa amarela foi colocando de tudo: alfinete, carretel de linha, galo, outro galo, guarda-chuva… e foi ficando cada vez mais pesada. Até o dia em que Raquel foi ao almoço na casa da Tia Brunilda: “quando o pessoal me viu carregando aquele peso, eles disseram que eu tava maluca: eu não podia ir pro almoço levando uma bolsa enorme, ridícula, de gente grande e não sei que mais.” Não demorou para a tia e sua trupe de adultos inconsequentes investigar o que tanto Raquel carregava na tal bolsa…


Pra bom adulto, meia explicação basta. A bolsa é a representação simbólica do ato de a menina guardar os sentimentos para si. Também (pudera!) o que se poderia esperar de uma criança cercada por pais ausentes e parentes sem-noção? Mas esta não é a história de uma menina retraída, que se fecha para o mundo…


E assim, cheia de vontade, ‘A bolsa amarela” segue cativando leitores de todas as idades. Pra nossa sorte, Bojunga continua viva e ativa escrevendo. Assim podemos matar a vontade de reviver as angústias e alegrias de ser criança. Afinal, a infância deixa rastros por toda vida.

Carla Kühlewein é graduada em Letras Vernáculas e Clássicas (UEL), Mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada (Unesp) e Doutora em Literatura e Vida Social (Unesp).

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Carla Kühlewein

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