Matando a Saudade

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Memórias do Padre Zé

Padre José com seu tio Tony

Era o dia 5 de outubro de 1971 quando o navio “Achille Lauro” foi chegando no porto de Melbourne, onde eu deveria desembarcar. E, como eu era funcionário deste navio, deveria permanecer na Austrália até o dia 30 de janeiro de 1972, quando a embarcação retornaria trazendo mais emigrantes e passageiros. Gostei muito da oportunidade de poder ficar quatro meses na Austrália, convivendo com meus familiares depois de tantos anos! Bem, ficamos tempão, eu e outros passageiros, parados na proa, com os olhos fixos no movimento do porto, distinguido os carros rodando nas ruas e avenidas, gente se movimentando no cais e construções distantes se elevando por entre as árvores, enquanto que a sirene do navio dava sinais de chegada. Mas minha missão não tinha terminado ainda; devia ficar na porta da saída para devolver os passaportes com o cartão de desembarque aos passageiros. Já éramos que nem uma grande família e a despedida foi muito dolorosa porque sabíamos que, para a maioria, nunca mais iríamos nos encontrar.

Quantos abraços! Todos desciam carregando malas e mais malas: casais jovens, recém casados, malteses, ingleses. Irlandeses e italianos iriam começar sua vida nova longe da pátria natal, numa terra desconhecida, mas cheios de esperança e coragem. Multidão de gente no cais, com bandeirinhas e serpentinas, se abraçando entre lágrimas de saudade e de alegria! Reencontros emocionantes depois de muitos anos! Fui quase o último a descer a rampa, junto com o comandante. Aí estava minha irmã Rita com o marido Paul e com sua primeira criança no colo. Ela me apresentou nosso tio Tony. Que eu não conhecia. Ele tinha vindo de longe para me receber no porto, pois ele morava no interior do Estado de Victória. Fomos todos à casa da minha irmã em Kensington, perto do centro de Melbourne para encontrar outros primos e primas, alguns dos quais ainda desconhecidos por mim, tanto do lado paterno quanto do lado materno. Era uma festa!

Depois de dois dias, fui com meu tio Tony para sua casa em Yallourn North, duas horas de carro distante de Melbourne. No caminho, ele parou perto de uma grande usina de energia elétrica chamada “State Electricity Comission” para me mostrar onde meu pai trabalhava quando, com o emigrante, trabalhava naquela região. Chegando em casa, ele me apresentou à sua esposa Josephine, que era de origem italiana da Sicília e seus seis filhos, quatro moços e duas moças. Ele era o irmão mais velho da minha mãe e me mostrou algumas cartas que minha mãe lhe escrevia em 1938, antes de a Segunda Guerra Mundial interrompesse toda comunicação e que ele guardava com muito carinho. Formou uma linda família e nunca mais retornou à sua terra natal.

Mas, ele me levou a conhecer também o quarto em que meu pai morava durante os anos que tinha trabalhado na Austrália. Tinha ainda, em cima de uma cômoda, o aparelho de rádio, com que meu pai, curtindo a solidão e a saudade, ouvia as músicas daquela época: “You are my Sunshine”, “Goodnight Irene” e aquelas do cantor australiano Slim Dusty, especialmente “Pub with no Beer” que ele sempre cantarolava, relembrando e chorando pela esposa e filhos distantes.

Alguns primos meus moravam num bonito subúrbio chamado Ferntree Gully, onde eu fiz amizade com o padre irlandês John Cumming e o ajudava aos Domingos na Paróquia São João Batista. Ele gostava muito de mim e queria que eu ficasse como auxiliar dele naquela Paróquia. No mês de novembro de 1971 substitui também outro padre vizinho, Patrick Sammon, em Diamond Creek. Ambos os padres tinham conversado com o Arcebispo de Melbourne, James Knox, a meu respeito e ele me teria aceito na Arquidiocese. Recusei! Preferi voltar ao Brasil!

No começo de dezembro de 1971, viajei de trem para Sydney, umas dez horas de viagem, para encontrar meu irmão Felix, minha tia Rose, seu marido Charles e seus nove filhos e netos, meus primos. Faziam dez anos que não via meu irmão. Como podia reconhecê-lo? Dez anos mudam muito a pessoa! Cheguei na Central Railway Station, mas como eu estava no pen último vagão, pensava que quando a multidão se esparramar, fica mais fácil identifica-lo. E foi isso que aconteceu! Vi dois moços de aproximadamente 22 anos vindo em minha direção e ouvi um perguntando ao outro: “Você tem alguma lembrança de seu irmão?” Ao qual, o outro respondeu: “Fazem 10 anos que não o vejo!” Pronto! Era meu irmão caçula; o outro era meu primo. Choramos de emoção! Me levaram para a casa da tia Rose, era uma chácara na cidade de Blacktown, uns 30 quilômetros longe de Sydney. Boa experiência de convívio fraterno com meu irmão e meus primos! Minha tia, muito religiosa, me fez conhecer o padre maltês Paul Baron, o qual cuidava dos interesses religiosos dos emigrantes malteses das regiões de Blackown e Penrith.

E, como se aproximava o tempo de Natal, ele me convidou para passar uns dias com ele para atender as confissões dos fiéis malteses, italianos e irlandeses nas diversas paróquias da redondeza. Muito especial foi a Missa de Natal, a meia noite, organizada pelo Centro “La Vallette” dos malteses, de acordo com as tradições de um Natal Maltês. No entanto, um dos meus primos, Paul, possuía um sítio transformado em pista de treinamento para cachorros de corrida, dos quais era treinador; aí, com seus filhos, ele organizou uma linda festa natalina para seus familiares, funcionários e amigos com comida, bebida e muitos presentes. Adivinhem quem foi o Papai Noel? Sim! Eu mesmo!
Faltava a última cidade a ser visitada para completar minha ronda australiana e conhecer todos os meus familiares. Era a cidade de Broken Hill, no interior do Estado de New South Wales (Nova Gales do Sul) próximo a fronteira com o Estado da Austrália Meridional.

Aqui morava um tio meu, irmão da minha mãe, que não cheguei a conhecer porque já tinha falecido. Encontrei a esposa dele, Georgia, já muito idosa e sua filha Maria Antonia, casada com Tony, também ele emigrante maltês desde sua infância e seus cinco filhos: quatro meninas e um menino.

Como nesta cidade tem muitas minas, a maioria dos seus habitantes trabalha nas minas. Gostei muito de conhecer estes primos, tão distantes dos demais que moram em cidades grandes.

Assim, minha primeira visita à Austrália terminou no final de janeiro de 1972, quando embarquei novamente no navio “Achille Lauro”, desta vez como passageiro, de volta à Europa, passando do outro lado do mundo: Sydney – Wellington (Nova Zelândia) – Punta Arenas (Chile)- Buenos Aires (Argentina) – Rio de Janeiro – Santa Cruz de Tenerife (Canárias) – Vigo (Espanha) – Southampton (Inglaterra) – Gênova (Itália) – Malta.

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