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O babado nosso de cada dia

Sobrelinhas – por Carla Kühlewein

Livro: Rififi na Floresta

Poucas habilidades humanas são tão criativas (e perversas) quanto a de comentar sobre a vida alheia. Basta uma centelha de curiosidade para que a chama da fofoca se alastre. De alguma maneira, há sempre um incendiário de plantão para fazer da mais pequenina faísca uma verdadeira catástrofe ambiental. Tal como vírus, ninguém parece estar imune de ser o infame ou o difamado.


É sobre essa tal habilidade que trata a hilária ficção infantil de Amir Piedade, ‘Rififi na floresta’. A história começa quando a onça decide “incendiar” a floresta com uma notícia bombástica, sussurrada no ouvido do tamanduá:


“Sabia que o leão dorme com pijama de bolinhas vermelhas e ronca como um urso?”
O tamanduá jura segredo (outra habilidade extraordinária: jurar), mas não demora muito para que o bichano morda a língua e repasse o babado adiante, segredando ao macaco:
“Nosso rei leão dorme com pijama de bolinhas vermelhas com desenhos de urso.”

O que há de tão interessante no modo como o rei da floresta dorme? Ora… só de imaginar a cena da figura real e sua vasta cabeleira embalada num pijama infantil dá uma coceira na língua, não? De boca em boca, o babado torna-se fato. Como o mundo é redondo (é bom que o seja), o boato vai parar no ouvido da comadre do leão, a girafa, que indignada corre confirmar a notícia com ele mesmo:

“Compadre, é verdade que o urso está morando na sua casa e que, como ele não tem cama, dorme com o senhor, sua mulher e quatro ursinhos azuis, que deixam a rainha leoa vermelha de raiva de tanto que roncam e se mexem na cama?”

Imagine a reação do rei da floresta ao receber uma notícia estapafúrdia dessas? Se eu fosse você ia correndo conferir o final dessa história no livro… Mas vá rápido, porque o babado é forte, fortíssimo!!!
Seja como for, todos sucumbimos, cedo ou tarde, à venenosa tentação de cuidar da vida alheia. E assim seguimos repetindo e repetindo: o babado nosso de cada dia…

Carla Kühlewein é graduada em Letras Vernáculas e Clássicas (UEL), Mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada (Unesp) e Doutora em Literatura e Vida Social (Unesp).

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Carla Kühlewein

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