Recordar é viver?

Sobrelinhas – por Fernando da Silva Silveira

É comum que tenhamos (ou conheçamos alguém que tenha) um familiar que sofra com a dificuldade de lembrar coisas simples do dia a dia. Muitas vezes, isso se intensifica na velhice por conta das próprias limitações da idade. E é nessa condição, com seus matemáticos, divisíveis e multiplicáveis 78 anos, com menos ou mais intensidade, que vive a protagonista da obra ‘Lembra-não-lembra’, escrita por Carla Kühlewein e ilustrada por Wagner Muniz.


A autora opta por iniciar o livro exatamente assim, apresentando um cálculo um tanto inusitado: “A vida dela é matemática. 78 anos: 23 solteira, 27 casada, 7 divorciada, 20 viúva. Tem 7 irmãos, 15 sobrinhos, 4 filhos, 3 gatos, 2 netos, 1 cachorro, 0 carro na garagem. Sozinha numa casa com: 4 quartos, 3 banheiros, 1 cômodo cozinha-copa, 1 pra bagunças (pra quê, se estão por toda parte?), 4 salas”. Assim somos introduzidos a uma dinâmica interessante em que memórias são somadas ou subtraídas, gerando um “lembra-não-lembra” sem fim, em que a personagem se recorda de informações mais remotas, como a vivência com os pais, na infância, mas não se recorda dos netos.


Engana-se, no entanto, quem supõe que esta seja uma obra triste. De forma leve, somos transportados para o cotidiano de uma mulher resiliente, forte como seus antepassados, que, guiada por sua rotina, afazeres domésticos, jogatinas de baralho, cuidados com seus pets e plantas, rezas e mais rezas, aproveita a vida como pode. Vivenciando o crivo da experiência humana, palpável, graças às ilustrações de Wagner Muniz, essa senhorinha perpassa “o-de-sempre” e o transforma em momentos que revelam um sentimento afetuoso e, ao mesmo tempo, reflexivo.


No fim das contas, o “lembra-não-lembra” é um jogo entre o esquecer e lembrar. Como aquele que a neta sugere à avó, “no entusiasmo da juventude: Oma, vamos jogar lembra-não-lembra?”. Como será esse jogo? Que tal conferir o interior desse relato sensível que desperta recordações e sensações que só uma casa de vó pode proporcionar?


Assim, de mãos dadas com a Matemática da memória, podemos valorizar mais os momentos finitos do dia a dia, sem que precisemos esperar pela terceira idade para isso, já que, como diz o próprio livro, “Viver é mais importante que lembrar”.

O livro “Lembra-não-lembra” está disponível na Biblioteca Gralha Azul, organizada pela Editora ABC. O acervo é digital, gratuito e composto por escritores e ilustradores paranaenses. Para ouvir/ler basta acessar o link: https://bibliotecagralhaazul.com.br/lembra-nao-lembra/

Fernando da Silva Silveira é graduando em Letras Português pela Unespar/Apucarana.

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Carla Kühlewein

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