Por Monsenhor José Ágius
Quando os evangelhos foram escritos, as comunidades de discípulos já haviam assimilado o sentido da morte de Jesus. Já tinham superado o “choque”. As comunidades se serviram das palavras das Escrituras para explicar esse sentido. Descobriram na “Palavra e Deus” a resposta para todas aquelas perguntas que os discípulos não conseguiam responder no momento da morte de Jesus.
A liturgia da Sexta – Feira Santa, que celebramos cinco semanas atrás, nos apresentou um dos textos que inspiraram as comunidades na superação do “escândalo” da sua morte na cruz: é o texto que fala do Servo Sofredor, no livro do Profeta Isaías. Neste texto, o Servo Sofredor expia por seu sofrimento os pecados de todos. Para os cristãos, Jesus como “cordeiro” que vai calado ao matadouro, é o “cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Não quer dizer que Deus queria se vingar da humanidade e “descarregou a sua ira” sobre Jesus. Ele é visto como o servo cujo sofrimento, ainda que não querido por Deus, foi aceito por ele como uma reparação, um sacrifício que o filho quis livremente oferecer. Por ter sacrificado a si mesmo, aceitando a morte, Jesus se tornou o verdadeiro sacerdote. E a humanidade ficou perdoada de uma vez por todas. É assim que compreendemos a morte de Jesus? Olhando para o Crucificado, vemos nele o amor de um Pai por nós ou um castigo cruel de Deus a seu filho?
Este aspecto de livre entrega de Jesus é a tônica da paixão no evangelho de João. Jesus se entrega livremente. A sua morte não é uma decisão do Pai, decretada desde a eternidade. Tampouco são os homens que lhe “tiram a vida”. É uma opção de Jesus, em favor de toda a humanidade, por amor aos seus. Foi a sua fidelidade ao Pai que levou Jesus a não fugir da morte. Quem decidiu que ele deveria morrer foram as autoridades judaicas, com o aval do povo manipulado e com a omissão do governo romano. Jesus morreu porque foi condenado, vítima da maldade humana. As forças contrárias a ele foram como uma terrível onda que o arrastou para a morte. Mas ao invés de salvar a si mesmo, fugindo da morte, e deixar perder-se seus irmãos, Jesus ofereceu-se e aceitou morrer por amor a nós e por fidelidade ao Pai. É ele que “entrega” a sua vida. Ele sofreu muito antes de tomar essa decisão. Que o diga a agonia no Horto das Oliveiras, onde Jesus pedia ao Pai que afastasse dele o cálice de amargura. Mas ele disse “SIM” na hora certa.
Um antigo pregador cristão, contemplando uma imagem de Cristo crucificado, encontrou esse significado para a cabeça abaixada de Cristo: “Sem poder falar mais com as palavras, Cristo o fez com o gesto: disse “SIM” ao Pai e à humanidade inclinando a cabeça”. Isso nos leva a ter, hoje, atitudes de entrega e de amor aos irmãos e irmãs. Não podemos parar na dor, na cruz, na morte. Só por amor somos capazes de vencer essas coisas tristes da vida.
Monsenhor José Ágius